Aprendendo a escutar

Bem, hoje estamos completando três semanas de convivência com a Dorita. Eu diria que ainda estamos na fase de aprendizado mútuo. Ela aprendendo a viver conosco e nós com ela. É um aprendizado difícil pra todos nós, mas como o esforço é grande dos dois lados, acabará dando certo. A imagem que me vem com mais freqüência é a da chegada de um bebê a uma casa. Por mais que esse bebê tenha sido desejado, planejado, esperado, a realidade da presença é sempre complicada para os dois lados. Leva um tempo pra que essa nova presença seja assimilada na casa e para que a criança aprenda a lidar com as ofertas e as limitações dos seus pais.
     Lembro sempre de um psicanalista carioca (Francisco Daudt da Veiga, pra quem se interessar) que contava sua experiência com o nascimento de sua primeira filha e sua alegria no dia em que percebeu que, pela primeira vez, ela parara de chorar quando ele abriu a porta do quarto dela. Ele entendeu (coisa de psicanalista) que sua filha já havia assimilado o barulho da porta sendo aberta como um sinal de que o socorro estava chegando. Ou seja, ela não precisava mais da presença física do pai ou da mãe ao seu lado, ou do atendimento real de sua necessidade (fome, frio, fralda suja...) para saber, dentro dela, que ela seria cuidada.
     Esse é um processo que no caso de uma criança recém nascida leva alguns meses, se tudo corre bem. No caso de uma mulher de mais de 80 anos que teve poucas oportunidades de sentir essa segurança e que acabou de perder grande parte dos referenciais que fizeram dela quem ela é não sabemos quanto tempo pode levar. Estamos tentando ajudá-la da melhor maneira possível e sinto que ela também procura nos ajudar a cuidar dela. Coisas como a melhor posição para dormir, as comidas preferidas, o cobertor que a madrinha deu de presente, são referências que nós vamos utilizando junto com ela pra criar um universo mais amigável, com objetos que ela possa reconhecer e que façam parte da sua história de vida.
     Falando em história de vida me ocorre que uma coisa que desde criança eu aprendi a reconhecer como o modo de ser da Dorita tem a ver com algo que acontece agora. Ela está sempre se queixando de algum tipo de dor e atribui sua dificuldade de dormir às dores que ela sente. Curiosamente, durante o dia, as queixas não existem ou são de curta duração. Mas à noite, depois que a deixamos na cama, ela começa a se queixar de dor e a gemer ou gritar de uma maneira que não ocorria antes. Minha questão é: que dor é essa da qual ela passou a vida inteira se queixando? Afinal, além das dores do corpo, existem também as dores da alma. 

P.S: Na foto, ao lado da Dorita, nossa gata (Fleur), com quem ela parece se entender muito bem.
     
     

Voltando à vida normal

Bem, pelo menos quase. Mas, com a chegada dos meninos da viagem a Disney a casa volta a ter mais movimento. Acho que isso deve fazer bem a Dorita. Só pra vocês terem uma ideia nesse exato momento estamos na sala onde foi tirada a foto acima e os meninos estão brincando com o video game novo que eles trouxeram. Ela está sentada assistindo. Depois que eles chegaram ela disse que estava muito feliz por que eles foram cumprimentá-la.
     Outro novo membro da nossa família é a Sara, que aparece na foto abaixo. Ela é quem vai ficar cuidando da Dorita na parte da tarde até nós chegarmos do trabalho. Nessa semana vamos marcar uma consulta com um colega geriatra que vai nos orientar sobre os cuidados médicos necessários. A fisioterapeuta já começou as sessões (3x/semana) e acredita que a Dorita será capaz de andar com andador em breve. Ela também será avaliada por uma nutricionista. Assim, aos poucos vamos montando a nossa equipe de apoio. Também nesse sentido mais uma providência será inscrevê-la num plano de saúde para podermos ter uma melhor assistência já que, aqui em Ourinhos, não podemos contar com atendimento médico público de qualidade.
     E enfim o frio parece que vai indo embora. Nossa casa está mais quente em todos os sentidos. 

P.S.: Sem esquecer que hoje o Victor faz 16 anos. 

Notícias

Bem, fim de semana terminando e vivemos a expectativa da chegada dos meninos amanhã de uma viagem de 18 dias à Disney. Sem muitas novidades com relação a Dorita a não ser dizer que parece haver uma dificuldade de adaptação a nova situação. Há noites em que ela não dorme bem  e outras em que dorme até demais e passa também o dia sonolenta. Não sabemos ainda o que acontece de diferente. Penso que uma das coisas é o frio que tem feito aqui e que hoje começou a melhorar. Outras questões tem a ver talvez com a intensidade das mudanças pelas quais ela tem passado. Não creio que seja fácil pra ela viver tudo o que está vivendo. Vamos tentando ajudá-la da melhor maneira possível. Enfim, amanhã chegam o Victor e o Tomás e isso deve começar a dar um clima mais normal a movimentação da casa. Espero que isso possa ajudar a Dorita nesse momento. Amanhã postarei fotos da chegada deles e do encontro com ela. Abraços a todos. 

Primeira semana

Bem, hoje está fazendo uma semana que a Dorita chegou. A imagem que me ocorreu pra descrever esses dias pra algumas pessoas que ligaram foi a da chegada de um bebê a uma casa. Há necessidade de adaptação de ambos os lados, da casa e do bebê. Por isso eu diria que esses primeiros momentos foram de aprendizado. Nós estamos aprendendo com ela e ela conosco. Como tudo que é novo, há dificuldades de adaptação, principalmente para ela.
     Estamos no inverno e, embora Ourinhos não seja um lugar especialmente frio, é bem diferente do Rio. A casa está em obras, como vocês sabem, e há uma movimentação que até para nós é complicada. Os meninos estão viajando, o que é bom por um lado, mas por outro torna a casa um pouco mais parada do que o normal.
     Para nós há dificuldades com a movimentação dela, o ritmo de sono, a alimentação, os remédios. Mas, como me parece que há um interesse mútuo e uma necessidade, creio que estamos aprendendo.
     Gostaria de agradecer a todos os que estão participando direta ou indiretamente dessa aventura e dizer que para nós até agora, mais do que as dificuldades (que certamente existem) o que tem prevalecido é a satisfação. Um grande abraço,
                                                                           Guilherme.

Fotos

     Aos seguidores do blog:
                    A vida aqui tem sido corrida, como vocês podem imaginar. Assim, não creio que será possível atualizar o blog diariamente. Talvez uma vez por semana seja uma estimativa mais razoável. De qualquer maneira estou acrescentando hoje a essa postagem um link para vocês poderem acessar uma página com as fotos que tiramos até agora. Essa página será atualizada periodicamente pra que todos possam acompanhar os acontecimentos por aqui. Hoje teremos a visita de uma fisioterapeuta que vai dar continuidade ao trabalho que já vinha sendo feito no Rio. A expectativa é de que ela possa voltar a andar, pelo menos com o andador.
     Finalizando queria dizer mais uma vez que o blog se destina não apenas a falar da Dorita, mas da Família Alencar e sua história. Contribuições são muito bem vindas.
Um grande abraço a todos,
                                            Guilherme.

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     E hoje finalmente recebemos nossa querida Dorita. Começamos a viver essa experiência incrível de poder cuidar um pouco de quem passou a vida cuidando de todos nós. E acreditem, ela continua fazendo isso. Não se queixa de nada e agradece sempre por tudo o que estamos oferecendo. Nossa casa ainda está em obras mas procuramos torná-la o mais confortável e acolhedora possível. E creio que, pela reação dela até agora, estamos conseguindo.
     Depois de pegar um avião do Rio até São Paulo e outro até Bauru ela viajou mais duas horas de carro até Ourinhos. Na chegada Ana tinha preparado uma macarronada que ela devorou com muito apetite. Passamos a tarde conversando e ouvindo as histórias das 18 crianças que ela ajudou a cuidar. À noite fizemos um lanche e ela foi dormir agora há pouco. Sempre de muito bom humor, ela disse: "Foi uma viagem formidável." Dorita riu muito, inclusive dela mesma, o que é pra mim sinal de uma sabedoria que esperamos poder aprender com ela.

                                                                                 

Família

Esse blog pretende aproveitar a oportunidade de ter a Dorita aqui em Ourinhos para estimular a Família Alencar a contar um pouco a sua história. Começando pela foto acima, tirada em Manaus por volta de 1940 onde aparecem Dorita, Pedro, Luís, Dores, Josefina, Socorrita e Maria Luísa.

     Sem preocupação com datas ou com uma absoluta fidelidade histórica (a essa altura talvez impossível) podemos assim ir criando um registro que conte um pouco da nossa história e a preserve para nossos filhos. Todos estão convidados a participar, da maneira que quiserem, acrescentando fotos, contando histórias, fazendo correções daquelas que forem contadas, enfim, da maneira que acharem melhor. 

    Inicialmente pretendo registrar os momentos iniciais da chegada da Dorita em Ourinhos, ponto de chegada improvável para quem nasceu no Amazonas no início do século passado. Mas, a vida dá muitas voltas e nenhum de nós pode dizer com certeza que sabe onde estará daqui a meio século.

     O blog tem ainda a pretensão de servir de ponto de encontro familiar para que não apenas a Dorita, mas todos nós, possamos ter notícias atualizadas da peregrinação dessa família que começou no Amazonas e Ceará e hoje se espalha pelo Rio, São Paulo e Brasília,  e sabe-se lá mais por onde ainda irá.

     Um grande abraço a todos,

                                                  Guilherme.